De acordo com a ONG, Minas Gerais e Rio de Janeiro ainda não possuem
nenhuma sala. O Rio Grande do Sul, pioneiro na experiência no país, com a
primeira sala especial instalada em 2003, ainda possui a maior parte:
50% do total.
Segundo a recomendação 33 do CNJ, de novembro de 2010, os tribunais
foram orientados a implementar “sistema de depoimento videogravado”, em
ambiente separado da sala de audiência e com a participação de
profissional especializado para atuar nessa prática.
Conforme os dados da ONG, o número de salas especiais vem crescendo,
mesmo que lentamente. Em 2011, eram 43. O levantamento da organização
com os dados de 2012 ainda está sendo finalizado. “Esse número deve ser
um pouco maior, estamos levantando. Só São Paulo tem previsão para
instalar mais 25 salas em 2012”, afirma Itamar Gonçalves, gerente de
programas da Childhood Brasil.
No
domingo (20), a apresentadora Maria da Graça Meneghel, a Xuxa, afirmou,
em depoimento no quadro "O que vi da vida", do Fantástico, que sofreu
abusos sexuais até os 13 anos de idade. Emocionada, disse que luta
para que "nenhuma criança sofra" algo parecido. O desabafo da
apresentadora, que participa de uma campanha contra o abuso sexual de
crianças, fez com que a discussão sobre o assunto voltasse à tona.
Como funciona
Na sala especial, a vítima menor é interrogada apenas por uma
psicóloga, que fica com um ponto eletrônico no ouvido. Cada estado
possui uma estrutura própria. Alguns realizam a oitiva com um assistente
social. Em Pernambuco, por exemplo, as crianças são ouvidas por
pedagogos.
As perguntas são feitas e acompanhadas de outro local, por promotor,
juiz e advogados. A ideia é que tudo ocorra em tempo real, com a
transmissão por meio de microfones, câmera de vídeo e um monitor de
televisão. “Não é somente o espaço, tem toda uma dinâmica, um método
para receber a criança. Tem cartilha para a família”, explica Gonçalves.
“A criança tem direito à voz e fala. Para garantir isso como um direito
humano, temos que fazer de forma protegida.”
Sala
do juiz e sala especial no Fórum Criminal Ministro Mário Guimarães, na
Barra Funda, capital paulista; o sistema de transmissão informatizado
ainda não foi instalado, por isso, as duas salas ainda não estão ligadas
(Foto: Raul Zito/G1)
No Rio Grande do Sul, a experiência começou com o nome de "depoimento
sem dano", que depois foi padronizado pelo CNJ como "depoimento
especial". “Sem dano nunca foi, por mais que se tome cautela, quando se
toca em determinados assuntos com crianças vitimadas, sempre algum dano
acontece. Por isso a mudança de nome”, afirma o desembargador Antonio
Carlos Malheiros, coordenador da Infância e Juventude do Tribunal de
Justiça de São Paulo. “O que a gente quer é diminuir o máximo possível o
sofrimento dela.”
‘Juiz não é preparado’
Para isso, afirma o desembargador, a intenção do TJ de São Paulo é
instalar o equipamento em todas as varas do estado, que conta hoje com
quatro instalados: no Fórum Barra Funda, na capital paulista, e nas
Varas de Infância de Atibaia, Campinas e São Caetano do Sul. “É uma
pretensão nossa, os recursos viriam do governo federal, que aprova esse
projeto”, diz Malheiros.
“Para nós todos esses equipamentos são importantíssimos. Dependendo do
juiz, pode assustar a criança. O juiz não é preparado. Vai ter juiz, por
exemplo, que ao falar de uma penetração que a criança teve, é capaz de
perguntar isso na lata. Aquela ferida que já está mal cicatrizada se
abre. Porque na verdade a criança vai ter a marca disso o resto da vida.
Não tem remédio”, completa.
Na Barra Funda, no entanto, o sistema ainda não está funcionando. O
G1 foi até o fórum conhecer a sala especial (
foto abaixo),
que está no 1º andar junto à Vara de Violência Doméstica. O recinto já
possui brinquedos, mas, por enquanto, serve apenas para um
interrogatório não informatizado, feito pela psicóloga.
Sala
especial é utilizada no Fórum da Barra Funda apenas para depoimentos de
crianças a psicólogos, sem a transmissão em tempo real (Foto: Raul
Zito/G1)
Segundo a juíza Elaine Cristina Monteiro Cavalcanti, do Juizado da Vara
de Violência Doméstica, o equipamento está no fórum, mas ainda faltam
cabos para a instalação do sistema de transmissão.
Criança mais segura
Para juízes que já colocam em prática a experiência, o depoimento
especial ajuda a diminuir o trauma das vítimas e também contribui para a
tomada de decisões mais justas nos processos envolvendo o estupro de
vulnerável.
“O depoimento especial foi muito importante, porque com a mediação de
um profissional, um psicólogo, humaniza mais o depoimento, a criança
fica mais à vontade, num ambiente mais próprio, se sente mais segura.
Sem prejuízo da segurança jurídica”, afirma o juiz Romário Divino Faria,
titular da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Rio Branco, no Acre.
O depoimento especial existe na Vara desde 2010. Segundo o juiz, a
técnica envolve um processo de aproximação da criança, por exemplo,
abordando aspectos de sua vida, para deixá-la à vontade. Ela é ouvida
por uma psicóloga em uma sala com decoração lúdica, monitorada por
equipamentos de som e imagem.
Se a criança não consegue contar o que houve, a psicóloga também
utilizada instrumentos auxiliares, como fantoches e bonecos. “No
ambiente formal, a criança fica inibida, não tem muita espontaneidade na
fala”, afirma o juiz.
Sala especial já funciona na Vara de Infância e Juventude de Rio Branco, no Acre (Foto: Divulgação/TJ-AC)
“Muitas delas não conseguiam falar da violência sofrida. Já com o
método do depoimento especial, teve caso que foi submetida a novo
depoimento, já teve mais espontaneidade e revelou o abuso", diz o
magistrado. "Desde então já foram feitos centenas de depoimentos com
bastante sucesso.”
Por que a Justiça?
O representante da Childhood afirma que a organização decidiu encampar a
instalação das salas junto ao Judiciário depois de constatar, em um
estudo feito em 2007, que uma criança era ouvida em média 7 vezes em um
processo judicial --sem incluir os depoimentos anteriores, como os
feitos à polícia e ao Conselho Tutelar.
Segundo Gonçalves, nesse quesito “o Brasil está bastante atrasado em
relação aos outros países". "Os EUA têm uma experiência de quase 30
anos", afirma.
Salas especiais no Brasil em 2011
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Sul
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25 (Paraná e Rio Grande do Sul)
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Sudeste
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7 (São Paulo e Espírito Santo)
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Nordeste
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6 (Rio Grande do Norte, Pernambuco, Sergipe, Ceará, Maranhão e Paraíba)
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Centro-Oeste
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3 (Distrito Federal, Goiás e Mato Grosso)
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Norte
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2 (Acre e Pará)
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Total
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43 (23 apenas no RS)
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Fonte: Childhood Brasil 2011 |
"No entanto, desde 2010 essa questão vem ganhando uma dimensão
nacional, principalmente, depois da recomendação do CNJ. O que tem não é
suficiente. Todas as Varas de Infância deveriam ter, pelo menos, uma
sala”, completa.
“Se para um adulto já é difícil, para uma criança essa situação é muito
pior. Um espaço frio, sisudo, na frente de adultos que ela não conhece.
Elas acabavam desistindo. Diziam que tinham mentido”, afirma. "A
apresentadora Xuxa levou mais de 40 anos para revelar um caso desses.
Imagine uma criança comum."
Estudo do CNJ em parceria com o Ipea mostra que apenas 64 das 2.682
comarcas do país possuíam Vara exclusiva da Infância e Juventude até
julho de 2010. Segundo publicação da ONG, a entrevista de crianças de
forma protegida em salas especiais é aplicada em 28 países.
Casos extremosLevantamento do G1
junto às decisões de segunda instância de todo o país em casos de
estupro de vulnerável, ou seja, vítimas menores de 14 anos, mostra que
juízes nem sempre estão preparados para interrogar crianças.
Em Campinas, um juiz chega a ser advertido por um desembargador sobre o
modo como interrogou uma menina de 11 anos, que acusava um homem de 64
de molestá-la. “(...) advertiu-a [a vítima] diversas vezes, além de
utilizar termos chulos com a garota”, escreveu o relator do caso, Silmar
Fernandes.
O desembargador transcreveu parte das perguntas feitas pelo juiz: “Ele
queria que você pusesse a boca no p... dele? ‘L: Não.’ (...) Ele chegou a
por o p... pra fora da calça dele?” O réu estava em regime semiaberto,
mesmo condenado a pena de 8 anos, quando a regra é o inicial fechado. O
nome do juiz não aparece na decisão.
Silêncio
Outros depoimentos de vítimas mostram dificuldade ainda maior do que o
constrangimento e o medo de denunciar nesse tipo de interrogatório. Em
São Paulo, uma menina de 11 anos tentou dizer à mãe que havia sido
vítima do tio, mas apenas sua professora conseguiu entendê-la. A menina
era deficiente auditiva e tinha dificuldade na fala.
Eu falava para ele parar, que eu ia contar pra minha tia, aí ele
falava para eu não contar, porque senão a minha tia ia separar dele. Eu
não contava na hora, porque eu ficava com medo da minha tia separar dele
e ficar triste"
Criança de 10 anos, vítima de estupro em processo no TJ do Distrito Federal
No depoimento ao juiz, ela foi auxiliada por uma intérprete de Libras
(Língua Brasileira de Sinais). Segundo o processo, ela disse que sua tia
entrou no quarto, viu a cena, brigou com o acusado, mas não fez nada,
pedindo para que ela ficasse quieta.
“Ao voltar para casa chorava muito e contou para sua mãe, mas não
conseguia se expressar direito e sua mãe não entendia a linguagem de
sinais; afirmou que o réu usou de violência física para segurá-la e o
lençol ficou sujo de sangue”. O homem foi condenado a 10 anos, 10 meses e
20 dias de reclusão.
Em outros casos, os depoimentos foram cruciais para condenar o réu. Em
Samambaia, Distrito Federal, o depoimento de uma criança de 10 anos
ajudou a condenar seu tio a 6 anos de reclusão. “Eu falava para ele
parar, que eu ia contar pra minha tia, aí ele falava para eu não contar,
porque senão a minha tia ia separar dele. Eu não contava na hora,
porque eu ficava com medo da minha tia separar dele e ficar triste”,
disse a menina ao juiz.
Procurado pelo
G1, o Tribunal de Justiça de Minas
Gerais informou que ainda não possui sala especial e, até a publicação
desta reportagem, não informou se há previsão para a instalação. O TJ do
Rio de Janeiro informou, por meio de nota, que está providenciando o
espaço, recursos materiais e pessoais para implementar o serviço, mas
que é preciso fazer licitações para compra de material e pessoas
qualificadas e treinadas para este fim.
Mário Luiz (Carioca) com G1